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A importância do termo filiação para o universo sindical

09 março 2017
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Postado por : José Lazaro de Sá

Recorrentemente, decisões da Justiça do Trabalho e até do Supremo Tribunal Federal (STF) empregam o termo "filiação" como um sinônimo da palavra "associação", como aconteceu no Agravo ao Recurso Extraordinário de nº 1018459, que, sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes, concluiu que é vedada a cobrança de contribuição assistencial dos empregados não filiados ao sindicato.

 

Mas afinal, legalmente, qual a diferença entre os termos e que relevância poderia representar para o mundo jurídico?

 

Já afirmamos em outras oportunidades a importância dos detalhes. Neles podemos encontrar as chaves para a resolução de questões complexas como a que acabamos de apresentar.

 

Tão importante quanto é a interpretação adequada, o que nos remete às lições de Vicente Ráo, que ensinou ser a “operação lógica que, obedecendo aos princípios e leis científicos ditados pela Hermenêutica e visando integrar o conteúdo orgânico do direito, apura o sentido e os fins das normas jurídicas, ou apura novos preceitos normativos, para o efeito de sua aplicação às situações de fato incidentes na esfera do
direto[i]
".

 

Certos disso, vejamos então qual é o fim das normas jurídicas dispostas na Carta Magna sobre o assunto.

 

A Constituição Federal (CF) estabelece em seu artigo 5º, inciso XX, que "ninguém poderá ser compelido a associar-se ou permanecer associado". Associado, como sabemos, é o indivíduo que voluntariamente se vincula a uma entidade, a um clube, ou associação de classe como um sindicato, e o faz para gozar de tratamento
especial, disponível apenas a essa classe de membros.

 

Vale aqui um parêntese, primeiro para destacar que tudo tem um custo, pois “não existe almoço grátis”, o que é absolutamente justo. Segundo para lembrar que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) previu quatro espécies de contribuições sindicais: sindical, confederativa, assistencial e associativa. De todas, apenas a última seria de caráter facultativo – até a adesão espontânea, frise-se -, suportada por aqueles que possuem condições além de enxergarem valor nesse tipo de vinculação.

 

O que é interessante observar é que o inciso XX citado é parte do rol dos direitos e garantias fundamentais dispostas no primeiro capítulo, que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos.

 

Sobre os direitos coletivos tratados no referido capítulo, o inciso XXI, do mesmo artigo 5º, utiliza a expressão “filiados” para tratar sobre a representação extra ou judicial por entidades associativas, não a palavra “associados”. A letra “b”, do inciso LXX, ao abordar o mandado de segurança coletivo, no mesmo sentido separa membros de entidades de associados.

 

Eis os primeiros detalhes de onde se depreende a distinção feita pelo legislador constituinte em relação à filiação e associação, pessoas que não se confundem.

 

O capítulo seguinte trata dos direitos sociais. No caput do artigo 8º, da CF, é garantida a liberdade de fundação de associação sindical, observadas as demais disposições que estabelecem direitos como o da não interferência estatal nessa organização e deveres como o da participação em negociações coletivas de trabalho.

 

O inciso “V”, do artigo 8º, garante que “ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato”. Aqui abrimos o segundo parêntese para entender a semântica da palavra “filiação”.

 

Segundo o dicionário "Aurélio", significa "1. Ato de perfilhar. 2. Relação de parentesco entre os pais e os filhos. 2. Admitir (em comunidade, sociedade, etc.) 3. Relacionar, ligar. 4. Originar-se. 5. Entrar em comunidade, sociedade, etc. 6. Ligar-se."  Seu sentido traduz-se, portanto, em um elo natural, original, diferente de “associação” que consiste em conexão possível mesmo inexistindo o aludido elo.

 

Assim, com a contratação de um empregado por uma indústria de peças, por exemplo, nasce automaticamente um novo membro para a respectiva categoria. O mesmo acontece em relação às empresas conforme sua atividade principal, em respeito inclusivo ao princípio da unicidade sindical.

 

Logo, a liberdade de filiação restringe-se à plena possibilidade de mudança de  emprego ou de seguimento econômico, ou mesmo o encerramento das atividades.

 

Eis aí outro detalhe fundamental. Com inquestionável consciência o legislador garantiu no artigo 8º a liberdade de filiação, deixando claras as razões pelas quais aplicou a liberdade de associação no artigo 5º, ao mesmo tempo em que tratou da relação de filiação, inexistindo qualquer conflito entre as disposições sobre os direitos e garantias fundamentais, uma voltada para o interesse estritamente individual e a outra para um conjunto de pessoas.

 

A propósito, sobre os direitos sociais, considerados direitos fundamentais de segunda geração, vale o registro de que decorrem de exigências legítimas dos cidadãos não como indivíduos independentes, mas como indivíduos sociais que vivem em sociedade, que participam de grupos e que por isso detém além de direitos deveres, como expressão do estado democrático de direito.

 

Portanto, respondendo ao questionamento feito anteriormente, a diferença entre os termos está na origem. A filiação decorre de um elo natural enquanto que a associação depende da vontade, e a liberdade de associação alcança a qualquer um enquanto que a liberdade de filiação é dedicada a indivíduos categorizados, por assim dizer. Logo, a consequência jurídica é que não filiados à entidade de fato não podem ser cobrados da contribuição assistencial.

 

O detalhe é que, nos termos acima, os não filiados são os que não integram a categoria, são os que não possuem o elo natural e por isso não são representados.

 

O último detalhe refere-se à lacuna constatada nas decisões que enfrentaram este assunto. Os veredictos vistos se limitaram a afastar o dever de recolher a contribuição, mas nada trataram sobre os direitos dos filiados de, por exemplo, se beneficiar de uma convenção coletiva. No nosso entendimento não existem direitos sem deveres de modo que com a eliminação das obrigações morrem com elas os direitos, rompendo completamente a corrente que os liga para benefício da categoria.

 

Autor: José Lázaro de Sá

 

[i] RAO, Vicente, “O Direito e a Vida dos Direitos” (página 494, 6º Edição, RT, 2004)

 

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