Artigos
Home / Informação / Artigos / As novas regras trabalhistas valem para contratos ativados antes da reforma?

As novas regras trabalhistas valem para contratos ativados antes da reforma?
Eis a pergunta do milhão. Em vigor desde 11 de novembro do último ano as novas regras trabalhistas aprovadas pela Lei 13.467 ainda suscitam dúvidas importantes que dividem opiniões, especialmente porque essas mesmas regras foram alteradas por Medida Provisória (808) que já não vale mais.
Uma dessas dúvidas se refere justamente à possibilidade ou não de aplicação da nova lei nos contratos em curso, notoriamente aqueles firmados antes da sua vigência e ainda ativos.
Esse cenário retrata a insegurança jurídica, que, aliás, é uma constante da realidade brasileira.
Sobre o assunto, já se verificam posições nos dois sentidos.
O Ministério do Trabalho, por exemplo, marcou seu entendimento ao aprovar o PARECER n. 00248/2018/CONJURMTB/CGU/AGU, que concluiu pela aplicabilidade geral e imediata da Lei 13.467 a todos os contratos de trabalho vigentes.
Numa análise bem fundamentada, a Procuradoria Federal que subscreve o Parecer esclareceu pontos importantes pertinentes aos efeitos dos contratos em vigor firmados antes da nova ordem trabalhista.
Constituição Federal e a Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB garantem a preservação do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada, o que não abarca, necessariamente, os efeitos decorrentes, aqueles ainda não aperfeiçoados e que por isso podem ser alcançados por novas regras, como defende o Parecer.
Para a Procuradoria direito adquirido não se confunde com expectativa de direito. O direito adquirido “é aquele que já cumpriu todas as condições para sua aquisição no tempo”, enquanto que a expectativa de direito é “aquela em que não se completaram no tempo as condições para seu exercício”.
Nesse sentido, considerando que os contratos de trabalho correspondem a obrigações de trato sucessivo, com ciclos de renovação periódica, as obrigações fundadas em normas cogentes estão sujeitas a modificações instantâneas, promovidas por alterações legislativas, o que não conflita com o princípio do direito adquirido.
Por fim, o Parecer trata do princípio da proteção do salário. A irredutibilidade de que trata a Constituição não abrange a remuneração. Esta pode sofrer ajustes em decorrência de situação fática de prestação de serviço, quando o empregado deixa de prestar horas extras, por exemplo, ou em razão de mudanças legislativas, como as promovidas pela própria 13.467, que alterou a natureza remuneratória das horas dedicadas para intervalo quando trabalhadas.
Com posição diametralmente oposta, a Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas – ANAMATRA, se posicionou contra a aplicação da reforma trabalhista em relação aos contratos em curso.
No 19º Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – CONAMAT, realizado entre os dias 02 e 05 de maio, a ANAMATRA promoveu Assembleia Geral Ordinária, oportunidade em que aprovou 103 teses pertinentes às novas regras trabalhistas, dentre elas, a Tese nº 7, da Comissão nº 3, de coautoria da Associação dos Magistrados da 1ª e 5ª região, Rio de Janeiro e Bahia, respectivamente.
Nos termos da Tese nº 7, a “Norma legal que reduza ou suprima direitos assegurados no sistema legal deverá, necessariamente, como regra geral, ser examinada de forma restritiva quanto na hipótese de sua aplicação a um caso concreto”. Para a ANAMATRA a Medida Provisória 808-2017 já havia violado o princípio da irretroatividade da lei ao determinar a aplicação das novas regras trabalhistas aos contratos em curso, uma vez que tal interpretação impactaria na própria causa geradora da relação contratual.
A ANAMATRA se pronunciou também sobre a posição do Ministério do Trabalho, defendendo a independência técnica de todos os Juízes do Trabalho, e ressaltando que caberá à jurisprudência dos tribunais consolidar o entendimento majoritário sobre o assunto, o que só ocorrerá com o tempo.
Eis que surge a seguinte pergunta: qual o efeito dessas manifestações?
Bem, do ponto de vista legal ambas as posições não acarretam vínculo para as partes interessadas – empresas e empregados. Entretanto, sinalizam em boa medida os riscos a que estão sujeitas.
O entendimento do Ministério do Trabalho é de extrema importância, visto que possui efeito vinculante para a Administração, definindo a atuação fiscalizatória de seus servidores.
As Teses da ANAMATRA por sua vez, não refletem, nem vinculam, necessariamente, o entendimento de todos os magistrados que integram a Justiça do Trabalho, mas bastam para ampliar o ambiente de insegurança jurídica nas hipóteses de acionamento da Justiça.
Para a S & A ADVOGADOS a aplicação geral e imediata das novas disposições trabalhistas aos contratos em curso, como regra, é a conclusão mais acertada, tanto do ponto de vista técnico quanto prático.
Como bem lembrado pelo Ministro Ives Gandra Martins Filho, do Tribunal Superior do Trabalho – TST, a impossibilidade de aplicação das novas regras aos contratos que já vigoravam culminaria numa “simples solução”: demissões.
Eis que importante lembrar que a função social da empresa só pode ser satisfeita se esta sobreviver. Sua preservação, assim, depende do equilíbrio de uma série de vetores tais como impactos tecnológicos, carga tributária, concorrência, e, claro, folha de pagamento.
Logo, a impossibilidade de aplicação imediata das novas regras aos contratos ativados antes da reforma trabalhista – menos onerosas em alguns aspectos -, ameaçaria não o direito dito adquirido dos trabalhadores formais, mas sim a o próprio emprego, em absoluto contrassenso ao propósito das normas trabalhistas, que consiste em proteger o emprego.
Por outro lado, é preciso atenção com as exceções. Algumas situações levarão a estrita observância do artigo 468, da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, que exige o mútuo consentimento das partes, empregador e empregado, para alteração das condições do contrato.
Para ilustrar, se a nova lei altera a natureza de determinada verba, como o fez com o intervalo intrajornada citado pela Procuradoria do Trabalho, ou mesmo com prêmios e abonos, a aplicação imediata é plenamente exequível pois decorriam de norma cogente, de obrigação legal. Diferentemente, se o contrato de trabalho prevê determinados benefícios complementares ao salário, concedidos pela empresa de forma espontânea, a alteração dependerá do mútuo consentimento.
Existem outros exemplos interessantes, como a questão da equiparação salarial para atividades de igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, ou a respeito da reversão do cargo de confiança, hipótese em que a gratificação correspondente é excluída independentemente do tempo na função, regras também trazidas com a nova lei e que podem ser objeto de futuros artigos.
Para finalizar, é de se reconhecer que caberá ao Judiciário, mais uma vez, a palavra final sobre as novas regras trabalhistas. Até lá, o “piso escorregadio” não impede a passagem, mas exige cuidados redobrados. A lei está em vigor, existem sólidos fundamentos técnicos para aplicação das novas regras aos contratos vigentes, e, para algumas empresas, essa pode não ser uma questão de escolha, mas de necessidade, sendo SIM a resposta que daríamos para à questão inicial, sem perder de vista as nuances do caso concreto.
*Artigo produzido pelos advogados Suelen Alves e José Lázaro de Sá
Deixe um comentário