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Legislado versus negociado: faz sentido essa discussão?

09 December 2016
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2 comentários
Postado por : José Lazaro de Sá

Para tentar chegar a uma resposta sobre esse tema que tem gerado amplos debates, ou pelo menos para promover maior reflexão sobre o assunto, nos socorremos de um recentíssimo acórdão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que de uma maneira simples e didática sugere, ainda que involuntariamente, que a controvérsia entre legislado e negociado não faz o menor sentido.

 

O caso refere-se a um recurso de revista, distribuído a 5ª turma do TST, em que uma das partes almejava invalidar acordo coletivo de trabalho sobre turno especial de revezamento.

 

Sob a relatoria do Ministro Caputo Bastos, por unanimidade, a turma declarou válido o acordo coletivo e enfatizou o respeito ao artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal, o qual estabelece justamente o reconhecimento das convenções e acordos coletivos.

 

Para o ministro, é dever constitucional da Justiça Especializada “incentivar e garantir o cumprimento das decisões tomadas a partir da autocomposição coletiva, desde que formalizadas nos limites da lei.” 

 

Ora, é evidente que as negociações coletivas, como também aquelas de natureza individual, estão sujeitas aos limites legais, à boa fé e aos bons costumes. Ocorre que, na prática, há uma imensa insegurança jurídica quanto à liberdade negocial e os efeitos das negociações coletivas quando submetidas às análises do judiciário.

 

Recorrentemente, instrumentos coletivos são invalidados gerando passivo para empresas e para entidades sindicais de empregadores e de empregados. O fundamento mais comum desses veredictos é a supressão de direitos dos trabalhadores.

 

Mas, afinal, não é prerrogativa das entidades sindicais ajustar as relações de trabalho de acordo com as peculiaridades de sua categoria, considerando o momento econômico, e, claro, a legislação e os princípios que a norteia? Claro que sim.

 

No entanto, alguns fatores parecem impedir que o “sistema” funcione como deveria.

 

Um desses fatores decorre do raso conhecimento técnico que parte dos operadores desse sistema, tais como empresas, advogados, contadores, Poder Judiciário e até sindicatos possuem.

 

Apenas para ilustrar, recentemente, em audiência de instrução e julgamento envolvendo dois sindicatos e uma empresa, numa questão relativa a enquadramento sindical, presenciamos o magistrado incentivando acordo entre as partes, fato que, se aceito, teria implicado em nulidade por ofensa ao princípio da unicidade sindical.

 

A boa-fé é outro elemento que nos parece foi completamente esquecido. Nas contendas judiciais das partes não se exige deferência às normas das quais participam, nem há investigação sobre as circunstâncias que levaram a determinado ajuste.

 

Daí decorre outros dois pontos críticos: o tempo e a qualidade, que convém tratá-los simultaneamente.

 

Segundo a própria Justiça do Trabalho nos últimos cinco anos o TST recebeu 1,35 milhão de processos. O volume de ações impede que haja tempo adequado para o correto exame das causas, consequentemente, não se tem decisões de qualidade e, na mesma proporção se tem precedentes esdrúxulos que incentivam novas aventuras jurídicas.

 

O produto final, fatalmente, é a insegurança jurídica. Este ciclo esclarece em boa medida de onde surgem curiosas discussões jurídicas e também propostas de revoluções legislativas, uma delas é o da pluralidade sindical. Imagine.

 

Felizmente, mesmo nesse cenário caótico é possível identificar análises técnicas que merecem ser propagadas para orientar casos similares, mas, sobretudo, para garantir certo controle e limitação da responsabilidade assumida lá atrás.

 

Voltamos ao recurso de revista. O TST havia estabelecido dois parâmetros principais quando o assunto é instrumento coletivo de trabalho. 

 

O primeiro parâmetro é que haja entre as partes convenentes efetiva transação de direitos, que haja concessões recíprocas. O segundo é que referida transação aplique-se sobre parcelas trabalhistas de indisponibilidade relativa.

 

Perceba que a reciprocidade de benefícios é relativa, e varia conforme o setor e o momento. Em momentos de crise, em hipótese de obsolescência do modelo de atuação da empresa, ou mesmo em situações de catástrofe, por exemplo, não perder o emprego seria a grande vantagem para o empregado e condição determinante para o empregador manter o negócio. Tudo depende do caso concreto.

 

No caso desse processo, o empregado protestou pela desconsideração do acordo coletivo que estabeleceu o turno ininterrupto de revezamento, pretendendo, assim, receber como hora extra as horas excedentes da sexta diária e trigésima sexta semanal.

 

O judiciário, no entanto, considerou válido o acordo, especialmente porque o próprio reclamante aduziu em sua inicial que folgava quatro dias após trabalhar por quatro dias, demonstrando a contrapartida que lhe coube no acordo – essas 4 horas, o que foi vital para sua validação.

 

O ministro Caputo Bastos enfatizou que defende a prevalência das normas autônomas  oriundas de negociação coletiva, pois, em suas próprias palavras “resulta de uma ampla discussão havida em um ambiente paritário, no qual as perdas e ganhos recíprocos têm presunção de comutatividade.”

 

Ele esclarece, por fim, que segue o posicionamento consolidado no TST de que a negociação coletiva de trabalho enfrenta limites em razão de inexistir direitos de caráter absoluto. Ele está certo. Até mesmo os princípios constitucionais são relativizados conforme as circunstâncias do caso.

 

Está claro, assim, que inexiste sentido na discussão que deu origem a esta reflexão. Não há conflito entre as normas legais estabelecidas e os ajustes temporários firmados por instrumentos coletivos. É preciso, portanto, que sejam levados a sério sob pena de mais retrocesso.

 

LINHA DE FRENTE

 

Linha de frente deste artigo aproveitou o mesmo julgado para reproduzir aqui relevantes considerações do Dr. Otávio Brito Lopes, ex-Procurador Geral do Trabalho, sobre as limitações constitucionais em relação à negociação coletiva e que reforçam a conclusão acima.

 

Ele destaca que a flexibilização de determinados direitos trabalhistas como em relação ao salário e jornada, previstos no artigo 7º, incisos VI, XIII e XIV, da CF, por exemplo, foram fundamentais para a preservação dos seus próprios interesses, sendo certo que a rigidez do sistema fadaria a sua ruína.

 

Esta rigidez excessiva, fundada em uma pseudo proteção ao trabalhador, na prática resultava no sacrifício do emprego e da produção, pelo fechamento de estabelecimentos e/ou postos de trabalho, com prejuízo flagrante aos interesses da própria classe trabalhadora e da sociedade em geral, que como um todo sofria os reflexos do desemprego e da recessão.”

 

E segue afirmando que “A flexibilização existe para proteger o emprego do trabalhador, e não para pura e simplesmente subtrair-lhe o piso de direitos estabelecido na Constituição. Seu escopo não é a redução de salários ou a majoração da jornada de trabalho, e sim a tutela do emprego, sem o qual não há falar em salário ou limitação da jornada de trabalho. Se a inflexibilidade, da proteção do "caput" do art. 7o, diante das crises, gerasse o desemprego, é óbvio que não se trataria de proteção, mas da negação da própria Constituição.”

 

Aliás, devemos concordar que a rigidez não tem capacidade de gerar bons resultados para muitas pessoas. Nosso inflexível sistema, mal compreendido pela maioria, já produziu 12 milhões de desempregados, números que podem aumentar. 

Comentários (2)

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Jackson Roberto Ristow Replicar

Mestre Lazaro O governo através o ministro do trabalho quer que seja prestigiadas e dadas mais ênfase as convenções coletivas de trabalho, sobre jornada de trabalho e salários, ou seja, que a convenção prevaleça sobre determinação legal. Gostaria que vocês comentassem a respeito, o que muda se for aprovado e qual as consequências! Outra coisa que o governo quer tratar que haja uma proteção do emprego através redução de carga de trabalho e consequentemente baixar os salários em tempos de crise (empresa). Se possível também expor seus comentários jurídicos. Abraços.

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José Lázaro de Sá Replicar

Caro Sr. Jackson, primeiramente agradecemos vossa prestigiosa atenção. Nosso artigo toca justamente na desnecessidade de regras para privilegiar as negociações, pois já são assim. O que falta é maior técnica dos operadores do direito e respeito às regras vigentes, que devem ser observadas especialmente pelo Pode Judiciário para que as negociações alcancem seu fim. Quanto ao segundo questionamento, entendemos que o Governo apenas deu o passo inicial incitando concessões entre as classes empregadoras e trabalhadoras, elemento vital para efetiva negociação. Especificamente sobre o Programa de Seguro Emprego (PSE), continuidade do Programa de Proteção ao Emprego (PPE), certamente representará uma alternativa interessante para algumas categorias se restabelecerem uma vez que demitir representa um alto custo para a empresa e não perder o emprego um autêntico benefício para o empregado em tempos de crise. Portanto, a existência de alternativas para a manutenção dos negócios e dos empregos atrelada ao respeito ao acordado entre as respectivas classes será essencial para segurança jurídica e, consequentemente, para estimular novos investimentos.

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